Artigo de Diagnóstico Molecular de Paracoccidioidomicose associada à tuberculose em amostra de escarro

Artigo

Artigo escrito por Lisandra Silvani Massi, Aline Gehlen Dall Bello, Pedro Alves d’Azevedo, Luiz Carlos Severo.

A paracoccidioidomicose (PCM) é uma micose sistêmica endêmica na América Latina, causada pelos fungos Paracoccidioides brasiliensis e P. lutzii. A infecção ocorre pela inalação de conídios presentes no ar e posterior deposição dos propágulos nos pulmões com subsequente transformação para células leveduriformes.

Dependendo da interação do fungo com a resposta imunológica do hospedeiro, a infecção pode evoluir para a cura espontânea ou disseminar-se pelo organismo causando uma doença inflamatória granulomatosa crônica. A fase primária da infecção aparece normalmente em indivíduos jovens como uma doença pulmonar autolimitada e, raramente, progride para o estado agudo ou subagudo da infecção.

Após um longo período de latência, uma infecção pode ser reativada, originando uma doença pulmonar crônica, podendo ou não envolver outros órgãos.

A PCM pode estar associada a outras doenças infecciosas e/ou não infecciosas, as quais interferem diretamente no tratamento e prognóstico da patologia. A associação entre tuberculose (TB) e PCM ocorre em 5,5-19% dos casos e pode ocorrer simultaneamente ou sequencialmente, já que uma pode facilitar a reativação de um foco quiescente endógeno da outra ou ainda facilitar a infecção recente.

A queda da imunidade celular é a responsável pelo desencadeamento de ambas as doenças.

O objetivo deste estudo foi determinar a associação entre TB e PCM em pacientes com exame micológico negativo, utilizando técnicas moleculares e assim contribuir para prevenção de complicações e sequelas nestes pacientes.

Método

Estudo prospectivo, no qual foram incluídas amostras de escarro provenientes do Hospital Sanatório Partenon de Porto Alegre em conjunto com o Laboratório de Micologia da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (ISCMPA), no período de 2014-2015, positivas para bacilo álcool ácido resistente (BAAR) e negativas no exame direto e cultivo micológico para PCM.

Algumas dessas amostras ainda tiveram diagnósticos complementares de cultivo e/ou teste molecular rápido para Complexo Mycobacterium tuberculosis (CMT). Foram incluídas 62 amostras de escarro, sendo que 9 eram de pacientes repetidos, e 1 controle positivo (CP). O CP é uma amostra proveniente do banco de cultura do Laboratório de Micologia da ISCMPA.

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da ISCMPA, parecer n° 521.332 (07/01/2014) e foi dispensada a assinatura dos pacientes no termo de consentimento, com o compromisso de manutenção do anonimato dos sujeitos da pesquisa.

A extração do DNA das células presentes nas amostras de escarro e no CP (suspensão em água livre de DNA e RNA) foi realizada com o kit comercial RNA/DNA no equipamento, conforme a seguinte padronização:

(1) preparo da solução de lise através da adição de Carrier RNA (2 µL) à solução concentrada de lise/ligação (250 µL);

(2) adição da solução de lise (250 µL) e amostra (200 µL) em microtubos contendo esferas potencializadoras de atrito;

(3) homogeneização rigorosa (15 min);

(4) centrifugação (3 min, 14000 RPM);

(5) preparo da solução “Bead mix” (20 µL) através da adição de esferas ligantes de ácidos nucleicos à solução Lysis enhancer;

(6) preparo da placa com a solução “Bead mix”, amostra, isopropanol, soluções de lavagem e tampão eluente;

(7) inserção da placa no equipamento, e posterior programação do mesmo (protocolo 4462359).

Após esse processo, os ácidos nucleicos foram quantificados no equipamento espectrofotômetro, diluídos a uma concentração de 10 ng/µl e armazenados a –20 °C.

O PCR das amostras extraídas foi dividido em duas reações. Na primeira reação (PCR1), utilizaram-se iniciadores específicos (primers) para detecção de CMT (INS1 5’ CGTGAGGGCATCGAGGTGGC 3’, INS2 5’ CGTAGGCGTCGGTGACAAA 3’). Essa etapa foi realizada para validação da extração, sendo o controle interno (CI) da reação de extração, visando eliminar falso-negativos na PCR2, que ocorrem devido à presença de inibidores da reação de amplificação.

A reação ocorreu em um volume de 50 µL, contendo: 25 µL de GO Taq Master Mix, 1 µL de cada primer, 2 µL de DNA da amostra extraída e 21 µL de água livre de DNA. A amplificação por PCR em termociclador se deu em 35 ciclos de 94 °C por 2min, 68 °C por 2 min e 72 °C por 2 min.

O DNA do CP foi submetido à reação em cadeia da polimerase (PCR). Os primers universais, espaçadores internos transcritos do DNA ribossomal (ITS1 5’ TCCGTAGGTGAACCTGCGG 3’ e ITS4 5’ TCCTCCGCTTATTGATATGC 3’), foram utilizados para amplificação. Após, o produto do PCR foi purificado com o Kit comercial Wizard PCR Clean-UP. Essa
amostra foi encaminhada para sequenciamento no equipamento ABI-Prism 3500 Genetic Analyzer (Applied Biosystems). O resultado foi analisado no programa ClustalW para encontrar a sequência contig. A seguir, foi feito um alinhamento através da ferramenta BLAST no banco de dados GENBANK, concluindo-se que a amostra apresenta identidade com o P. brasiliensis (código da sequência: dbj|AB038165.1|). Após, foi utilizado na PCR2 como controle positivo para PCM.

A segunda reação (PCR2), destinada à pesquisa de Paracoccidioides spp., foi feita somente nas amostras positivas da primeira reação. Os primers utilizados foram: OliPbmB1F 5’ ACCCTTGTCTATTCTACC 3’, OliPbmB1R 5’ TTACTGATTATGATAGGTCTC 3’. Realizou-se em um volume de 50µL contendo: 25µL de GO Taq Master Mix, 1 µL de cada primer, 2 µL de DNA da amostra extraída e 21 µL de água livre de DNA. A amplificação por PCR em termociclador
se deu a 96 °C por 5 min, 40 ciclos de 96 °C por 35s, 55 °C por 35s e 72 °C por 35 s, finalizando com uma extensão de 72° por 7min.

Os fragmentos de DNA amplificados foram visualizados no fotodocumentador Bio Rad Gel Doc XR+, após eletroforese em gel de agarose 2%, corado com Syber Safe. Os fragmentos da primeira reação de PCR possuem 245pb e os fragmentos da segunda reação, 144pb. Eles foram quantificados conforme um marcador de peso molecular de 100pb e analisados por comparação com um controle positivo.

Resultados apresentados no artigo

Este estudo padronizou a extração de ácidos nucleicos fúngicos de amostras de escarro através do kit comercial Pathogen RNA/DNA MagMax no equipamento MagMaxTM Express. A eficiência da extração foi comprovada pela quantificação das moléculas de DNA que variou de 10 ng/ µL a 33,25 ng/µL e avaliação da pureza.

A aplicação dessa técnica proporcionou a obtenção de DNA purificado, pois a utilização das partículas magnéticas e o processamento semiautomatizado favoreceram a lise das paredes bacterianas e fúngicas com remoção dos possíveis inibidores de PCR. Das 53 amostras com DNA extraído, quatro foram negativas no PCR1 e foram excluídas do estudo porque não tem como definir se foi negativa porque havia inibidores da PCR ou porque não houve o rompimento da parede celular do CMT, que possui estrutura rígida e complexa, constituída de ácidos micólicos.

Dessas 49 amostras restantes, a idade média de todos os pacientes foi de 45 anos (25-75 anos), com predomínio do gênero masculino (96%). As condições associadas de todos os pacientes incluídos no trabalho são: 16% (8/49) população prisional, 14% (7/49) HIV, 10% (5/49) diabéticos, 8% (4/49) moradores de rua, 2% (1/49) indígenas, 2% (1/49) usuários de droga, 2% (1/49) profissionais da saúde e 46% (22/49) não tinham informações cadastradas no sistema da Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul (RS).

A pesquisa de resistência à rifampicina foi realizada em 37% (18/49) das amostras, apresentando 1 caso de resistência. Na PCR2, 13 amostras foram positivas (figura 1), sendo que dessas, 4 eram de pacientes repetidos, correspondendo então a 18,4% de pacientes coinfectados. Esses indivíduos apresentaram idade média de 36,1 anos e todos são do gênero masculino (tabela 1).

Diagnóstico molecular de PCM associada à tuberculose em escarro.

Discussão

No Brasil, as taxas de TB são extremamente altas, chegando, a cada ano, a aproximadamente 70 mil casos novos notificados e ocorrendo 4,6 mil mortes em decorrência da doença. No Estado do RS, a incidência é de 42,4 casos por 100 mil habitantes, sendo que o município de Porto Alegre apresenta coeficiente de incidência de 99,3 casos por 100 mil habitantes e 3 mortes a cada 100 mil habitantes.

A incidência de coinfecção com TB e PCM já está bem descrita na literatura, como encontrado neste estudo (18,4%). Todos os pacientes avaliados no presente trabalho pertencem a grupos em situação de risco, pois são moradores de rua, dependentes químicos e privados de liberdade. Devido à alta incidência de TB no RS, o diagnóstico de PCM tem
menor ênfase.

A PCM pulmonar crônica ocorre através da reativação de uma lesão quiescente em adultos entre 30-50 anos, com histórico de atividade relacionada ao solo, acometendo mais homens que mulheres (proporção de 15:1). Já a TB acomete indivíduos de qualquer idade e sexo, sendo mais comum em adultos jovens, com a maioria dos pacientes apresentando sintomas e exame físico comprometido.

Apesar dessas diferenças, as informações não são suficientes para um diagnóstico diferencial entre ambas devido
à sobreposição e similaridade das apresentações clínicas e radiológicas das duas doenças.

O diagnóstico de PCM é baseado na visualização dos elementos fúngicos sugestivos de Paracoccidioides spp. através do exame microscópico a fresco e o isolamento em cultivo de espécimes clínicos, testes que apresentam alta especificidade com baixa sensibilidade. O crescimento desse fungo em meios de cultivo ocorre somente em 85% dos casos de PCM e a incubação demora entre 20 e 30 dias 13-15. Para aumentar essa sensibilidade do exame direto,
Lopes desenvolveu uma técnica com soda, mas é necessária uma boa quantidade de escarro, que não estava disponível neste estudo.

A realização do teste sorológico de imunodifusão em gel (ID) colaboraria para uma melhor avaliação desses casos, já que os registros de dados são incompletos quanto à evolução da doença e o retorno ao atendimento clínico. Não foi possível realizar o teste sorológico nos pacientes porque as amostras de soro dos mesmos não foram disponibilizadas.

A ID apresenta sensibilidade aproximada de 90% e especificidade de 100%, sendo que a positividade do teste indica a presença de uma lesão ativa.

Os pacientes coinfectados neste estudo receberam tratamento para TB, mas não para PCM. A rifampicina, isoladamente, não tem ação antifúngica, mas pode ser administrada com anfotericina B para tratamento das formas graves de PCM, pois a penetração da rifampicina no citoplasma e sua consequente ação farmacológica é possibilitada pela desorganização funcional da membrana celular fúngica causada pela anfotericina B10,11.

A opção terapêutica dos pacientes coinfectados com TB e PCM deve ser avaliada, pois a escolha para tratamento da PCM é o Itraconazol, que é metabolizado pelo sistema enzimático do citocromo P-450 (CYP3A4). A rifampicina é um
indutor desse sistema, e diminui a biodisponibilidade do itraconazol, comprometendo sua eficácia.

A metodologia utilizada nas nossas amostras de escarro foi descrita por Dias et al. para amostras de soro e plasma. Os primers utilizados detectam somente o gênero Paracoccidioides, não sendo possível a diferenciação entre P. brasiliensis e P. lutzzi.

Tratam-se de primers conservados da região ITS do rDNA, sendo mais apropriada para aplicação da técnica de PCR como ferramenta diagnóstica. Apesar de se saber que métodos moleculares quantitativos, como PCR em tempo real, são mais adequados para predizer doença ou infecção, são também considerados técnicas caras, que necessitam de
alta tecnologia. A PCR convencional pode ter uma ótima relação custo-benefício para diagnóstico de PCM em amostras de escarro com exame micológico negativo.

Acesse o artigo completo neste link.

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