Histoplasmose simulando neoplasia no Rio Grande do Sul

histoplasmose

Introdução

A histoplasmose é a infecção mais comum no centro-oeste e sudeste dos Estados Unidos, causada pelo fungo termodimórfico Histoplasma capsulatum (H. capsulatum), ele encontra-se na natureza, seu habitat natural é o solo com alto conteúdo de nitrogênio, geralmente associado com excremento de pássaros e morcegos (Emmons CW, 1949; Zeidberg, Ajello, Dillon, & Runyon, 1952). Adquirida pela inalação de fragmentos de micélios e microconídios, é frequentemente auto-limitada, mas pode ser potencialmente letal em pacientes com condições preexistentes (Deep Junior, 2000).

As correntes de ar podem carregar os esporos por quilômetros, expondo indivíduos que não sabiam do contato com o local contaminado. Com isso, ambientes que não estiverem visivelmente contaminados com excrementos podem abrigar o organismo, tornando difícil a suspeita de histoplasmose na maioria dos casos (J. Wheat et al., 2000).

No Brasil, desde 1949, foram realizados vários levantamentos epidemiológicos que evidenciaram diferentes prevalências da infecção em diversas regiões (Londero & Ramos, 1978). Até 1998, foram realizados 88 inquéritos em 18 estados brasileiros, os índices mais altos de positividade foram encontrados no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso e Ceará (Fava & Fava Netto, 1998).

Na literatura, encontramos 31 relatos de casos que a histoplasmose simula neoplasia, desses apenas 2 casos são do Brasil, no estado do Rio Grande do Sul (RS). A maioria, 12/32, pertence aos Estados Unidos (EUA). Nós sumarizamos estas ocorrências na tabela 1 e adicionamos nossa experiência. O objetivo deste estudo é identificar os aspectos epidemiológicos e clínicos dos pacientes com histoplasmose que simulou câncer no RS.

Metodologia

Foram revisados 13 casos de histoplasmose simulando neoplasia de 289 prontuários de pacientes procedentes do RS que constam nos arquivos do Laboratório de Micologia, Santa Casa-Complexo Hospitalar, Porto Alegre (RS) num período de 34 anos (1977 – 2011). Os prontuários foram analisados retrospectivamente quanto à idade, sexo, raça, história epidemiológica, condição associada ou predisponente, soromicologia para histoplasmose, tratamento e evolução.

Resultados

Em nosso estudo, encontramos 13 casos de histoplasmose simulando neoplasia. Desses casos, 61,54% apresentam como doença de base uma neoplasia, por isso a confusão com a histoplasmose é justificada pela desconfiança de uma metástase da doença. As infecções localizavam-se em 69,23% nos pulmões, devido à inalação de microconídios ser a principal forma de infecção, já que quando inalados podem alcançar e se estabelecer na árvore brônquica. O tratamento foi específico em 61,54% e todos esses obtiveram uma boa evolução, mas os pacientes que não foram contemplados com um tratamento específico (23,08%) foram a óbito. A histoplasmose disseminada ocorreu em 61,54%, já que a maioria dos pacientes apresenta uma imunodeficiência (Tabela 2).

A abordagem diagnóstica depende do tipo de infecção e da quantidade de fungo inalado. Os materiais enviados para análise foram: biópsias de linfonodos (4/13), pulmão (3/13), adrenais (1/13), hipofaringe (1/13), pele (1/13) e cordas vocais (1/13); punção pulmonar (1/13); lavado brônquico (1/13); liquido pleural (1/13) e soro (7/13). Um mesmo paciente teve mais de um material analisado. Em nossos casos, o cultivo foi solicitado em apenas 5 pacientes, onde 3 foram positivos. Em 8 pacientes o diagnóstico foi feito apenas por histopatologia. No teste de imunodifusão, 7 pacientes foram negativos e 6 não foram testados (Tabela 3).

Discussão

O H. capsulatum causa diferentes manifestações clínicas, dependendo do estado anatômico e imunológico do hospedeiro e do tamanho do inóculo fúngico. A histoplasmose pulmonar aguda ocorre por inalação de uma grande quantidade de propágulos fúngicos em pacientes hígidos, o curso da doença é frequentemente autolimitada com regressão espontânea dos sintomas(L. J. Wheat & C. A. Kauffman, 2003).

 O histoplasmoma é um pequeno foco necrótico envolto por uma cápsula fibrosa que se desenvolve ao redor de um foco primário de infecção pulmonar cicatrizado (Goodwin, Shapiro, G. H. Thurman, S. S. Thurman, & Des Prez, 1980), ele também pode, raramente, ocorrer ao redor de um foco primário cicatrizado nos linfonodos hílares ou mediastinais, causando fibrose mediastinal (Goodwin, Nickell, & Des Prez, 1972). Esta forma é a segunda mais frequente em nossos achados, pois o crescimento e a localização do nódulo assumem importância clínica pelo diagnóstico diferencial com neoplasia e outras doenças granulomatosas (Ulbright & Katzenstein, 1980).

 A forma disseminada ocorre principalmente em pacientes imunodeficientes e em extremos de idade (Goodwin et al., 1980).  A histoplasmose deve ser considerada no diagnóstico diferencial do paciente imunodeprimido com febre obscura, mesmo em área não endêmica (Pinotti, Severo, Randon, Rigatto, & Haase HB, 1983) e a suspeita deve ser maior se as condições clínicas sugerirem fortemente uma disseminação da neoplasia já existente.

 A abordagem diagnóstica depende do tipo de infecção e da quantidade de fungo inalado. Diferentes métodos têm especificidade e sensibilidade para cada tipo de manifestação da doença e na maioria das vezes são utilizados em conjunto(L. J. Wheat & C. A. Kauffman, 2003). Observamos essas diferenças e a importância da utilização de mais de um método para o diagnóstico. Contudo, além da sensibilidade de cada teste, não houve suspeita clínica de histoplasmose, pois 8/13 casos não foi solicitado o exame micológico. Tornando mais difícil e tardio o diagnóstico desta infecção e limitando-o ao exame histopatológico.

No Brasil, essa micose é pouco conhecida e raramente diagnosticada já que depende do reconhecimento das diferentes manifestações clínicas da infecção e do conhecimento sobre os métodos diagnósticos disponíveis e suas limitações. Essa infecção pode ser grave e até mesmo fatal em pacientes com exposição maciça ao fungo, imunodeprimidos ou aqueles com doença progressiva, quando não é reconhecida ou tratada adequadamente. Portanto a histoplasmose deve ser considerado no diagnóstico diferencial com doenças neoplásicas, mesmo em áreas não endêmicas.

Autores: Aline Gehlen Dall Bello, Flávio de Mattos Oliveira, Cecília Bittencourt Severo, Luiz Carlos Severo

Para acessar o artigo Infecções que mimetizam câncer acesse nosso portal de notícias.

Referências

Deep Junior, G. (2000). Histoplasma capsulatum. In G. Mandell, J. Bennett, & R. Dolin (Eds.), Principles and Pratice of Infectious Diseases (6th ed., pp. 3012-26). Philadelphia: Elsevier.

Emmons CW. (1949). Isolation of Histolasma capsulatum from soil. Public Health Rep, 64, 892-6.

Fava, S., & Fava Netto, C. (1998). Epidemiologic surveys of histoplasmin and paracoccidioidin sensitivity in Brazil. Revista do Instituto da Medicina Tropical de São Paulo, 40, 155-64.

Goodwin, R. A., Nickell, J. A., & Des Prez, R. M. (1972). Mediastinal fibrosis complicating healed primary histoplasmosis and tuberculosis. Medicine, 51(3), 227-246.

Goodwin, R. A., Shapiro, J. L., Thurman, G. H., Thurman, S. S., & Des Prez, R. M. (1980). Disseminated histoplasmosis: clinical and pathologic correlations. Medicine, 59(1), 1-33.

Londero, A. T., & Ramos, C. D. (1978). The status of histoplasmosis in Brazil. Mycopathologia, 64(3), 153-156.

Pinotti, A., Severo, L., Randon, M., Rigatto, M., & Haase HB. (1983). Histoplasmose disseminada associada a tuberculose em pacientes imunodeprimidos. Revista da Associação de Medicina Brasileira, 29, 68-70.

Ulbright, T. M., & Katzenstein, A. L. (1980). Solitary necrotizing granulomas of the lung: differentiating features and etiology. The American journal of surgical pathology, 4(1), 13-28.

Wheat, J., Sarosi, G., McKinsey, D., Hamill, R., Bradsher, R., Johnson, P., Loyd, J., et al. (2000). Practice guidelines for the management of patients with histoplasmosis. Infectious Diseases Society of America. Clinical Infectious Diseases, 30(4), 688-695.

Wheat, L. J., & Kauffman, C. A. (2003). Histoplasmosis. Infectious Disease Clinics Of North America, 17, 1-19.

Zeidberg, L. D., Ajello, L., Dillon, A., & Runyon, L. C. (1952). Isolation of histoplasma capsulatum from soil. American Journal Of Public Health And The Nations Health, 42(8), 930-935.

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